A Prefeitura de Maceió deve suspender o desconto realizado indevidamente nos salários dos servidores municipais a título de honorários advocatícios ao escritório jurídico Fernando Costa Advogados Associados. É o que recomenda o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL), por meio da 16ª Promotoria de Justiça da Fazenda Pública Municipal da Capital, em portaria publicada nesta quinta-feira (17) no Diário Oficial do Estado.
Em dezembro do ano passado, o escritório representou os sindicatos dos farmacêuticos, dos agentes comunitários de saúde, dos guardas municipais, dos enfermeiros e dos servidores da saúde numa ação judicial em desfavor do Município que rendeu R$ 54 milhões às categorias, devido à implantação de vantagens estatutárias, pendentes em cerca de e 16 mil processos administrativos. A Fernando Costa Advogados Associados cobra 20% do total ganho pelos beneficiados.
O promotor de Justiça Marcus Rômulo Maia Melo questiona o montante cobrado pelo serviço advocatício, que vem sendo descontado no contracheque de cada servidor envolvido na ação, inclusive daqueles que não eram representados pelos sindicatos ou pelo próprio escritório, uma vez que todos os milhares de processos foram deferidos de uma só vez. Marcus Rômulo também critica o modo como o Município conduziu o acordo, que, pela facilidade, poderia ter sido feito diretamente com a categoria.
“Não houve nem digladio. O Município sequer contestou a ação, foi logo transigindo. Se estava predisposto a pagar, deveria tê-lo feito administrativamente, poupando os servidores de uma despesa vultosa e desnecessária. Entre o singelo pedido de cinco laudas e o acordo, foram exatos seis dias, que resultaram em honorários que podem chegar a R$ 10,8 milhões, se deferido o pedido de que incidam sobre o total das verbas. Trata-se de um fato alarmante a realização desses descontos em verbas alimentícias sem autorização do trabalhador”, explica o promotor.
Irregularidades no processo
O órgão ministerial também informou à Prefeitura Municipal que opôs embargos declaratórios contra a sentença responsável por homologar judicialmente o acordo celebrado entre o Município de Maceió e o escritório jurídico Fernando Costa Advogados Associados, em virtude da ausência do MPE/AL. A 16ª Promotoria de Justiça da Fazenda Pública Municipal da Capital adotará as medidas processuais cabíveis para anular o procedimento já que, em se tratando de uma ação movida contra o Município, é obrigatória a intimação do Ministério Público para funcionar como custos legis.
Além disso, o escritório jurídico não poderia negociar em nome dos servidores, com autonomia para reduzir valores do benefício, mesmo representando os trabalhadores filiados aos sindicatos que a contrataram. O valor original da petição era de R$ 60 milhões. Na negociação entre as partes, ele caiu para R$ 54 milhões, que serão pagos em 36 prestações de R$ 1,5 milhão.
“A transação pressupõe concessões mútuas. Portanto, para transigir seriam necessários poderes especiais que uma procuração outorgada pelo presidente do sindicato não supre, porque o sindicato atuou como substituto processual. Esses poderes teriam que ser conferidos expressamente na assembleia geral dos servidores dos sindicatos”, disse Marcus Rômulo.
Metodologia do cálculo
O promotor de Justiça também quer saber como o Município chegou ao montante final, já que se tratava de inúmeras verbas trabalhistas em processos administrativos pendentes, a exemplo anuênios, correção de padrão, mudança de nível, incorporações, abono família, abono de permanência, insalubridade, verbas rescisórias, restituição de contribuição previdenciária etc.
“Este é um dado preocupante, porque revela casos muito distintos entre si, em que não é possível chegar a um acordo sobre o valor global e distribuí-lo igualmente, numa igualdade radical que dispensa uma análise das várias espécies e suas peculiaridades”, conclui o membro do MPE/AL, que lembrou ainda o fato de que o valor final pago aos servidores determina o valor dos honorários advocatícios.
Fonte: ESCRITO POR RAFAEL CAVALCANTI BARRETO | 17 JULHO 2014
Leia o Diário Oficial do Estado de Alagoas na íntegra:
Diário Oficial do Estado de Alagoas
Maceio - Quinta-feira
17 de Julho de 2014
Ofício PJC-FPM n. 074/2014
Maceió-AL, 16 de julho de 2014.
RECOMENDAÇÃO Nº 002/2014
Exmo. Sr.
RUI SOARES PALMEIRA
DD. Prefeito do Município de Maceió.
Prefeitura de Maceió.
NESTA.
EXMO. SR. PREFEITO:
O Ministério Público do Estado de Alagoas, através da 16ª Promotoria de Justiça Coletiva da Fazenda Pública Municipal da Capital, no exercício da função relativa à defesa do Patrimônio Público, da legalidade e da moralidade administrativa, nos termos do artigo 129, II e VI da Constituição da República; artigo 5º, Parágrafo Único, IV da Lei Complementar Estadual nº 15/96 e art. 27, Parágrafo Único, IV da Lei nº 8.625/93, que autoriza o Ministério Público a promover recomendações dirigidas a órgãos e entidades públicas, vem, através do presente, apresentar RECOMENDAÇÃO, pelas razões de fato e de direito a seguir explicitadas:
JUSTIFICATIVA
Em 13 de dezembro de 2013, o escritório jurídico Fernando Costa Advogados Associados, representando o sindicato dos farmacêuticos, dos agentes comunitários de saúde, dos guardas municipais, dos enfermeiros e dos servidores da saúde, ajuizou uma ação pedindo que a justiça determinasse ao Município de Maceió que decidisse sobre os inúmeros processos administrativos pendentes, de interesse de diversos servidores sindicalizados, visando à implantação de vantagens estatutárias, os quais se encontravam dormitando há anos nos escaninhos da Prefeitura de Maceió, sem qualquer decisão deferindo ou denegando os pedidos.
Em 17 de dezembro de 2013, quatro dias após o ajuizamento da ação, o juízo da 14ª Vara Cível da Capital ofereceu um despacho designando AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA para dois dias depois (fl. 39). O Procurador-Chefe Judicial compareceu sponte sua e em requerimento nos autos declarou-se citado.
Em 19 de dezembro de 2013 foi realizada a audiência, com o Município de Maceió representado pelo Procurador-Geral do Município. Nela, foi celebrado com a parte autora um acordo no valor de R$ 54.000.000,00 (cinquenta e quatro milhões de reais), a ser pago em 36 prestações de R$ 1.500.000,00 (um milhão e meio de reais), supostamente em favor de TODOS os servidores públicos municipais, inclusive daqueles que não estavam representados por seus sindicatos nem pelo afamado escritório jurídico.
No entanto, esta Promotoria de Justiça está adotando medidas processuais cabíveis para reverter esse resultado, pois o processo judicial em questão é absolutamente NULO, por ter tramitado sem a intimação do Ministério Público. Em se tratando de uma ação movida contra o Município de Maceió, é obrigatória a intimação do Ministério Público para funcionar como custos legis. Aliás, esta é a praxe em relação a todas as ações até então ajuizadas na 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital, à exceção desta. Não se compreende como possa a petição inicial ter-se omitido quanto à necessidade de intimação do órgão ministerial. O Ministério Público possui interesse na causa e pretende ingressar nos autos a fim de esclarecer algumas dúvidas que permeiam este processo judicial.
Primeiramente, como uma ação que se autodenomina de OBRIGAÇÃO DE FAZER (fl. 01), desprovida de expressão monetária – tanto que o valor da causa foi de R$ 1.000,00 (mil reais), meramente “para efeitos fiscais” (fl. 05) – resultou, em cinco dias, em um acordo judicial de R$ 54.000.000,00 (cinquenta e quatro milhões de reais)? Como os honorários de sucumbência, que na petição inicial seriam de R$ 200,00 (duzentos reais), transmutou-se, nesse quinquídio, em honorários contratuais que podem chegar a R$ 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil reais)? O que autoriza o Município de Maceió a efetuar o desconto desses honorários de servidores não sindicalizados ou pertencentes a sindicatos que não estão representados na ação?
Destarte, o pedido foi de condenação do município em “obrigação de fazer”, consistente em forcejá-lo a decidir os inúmeros processos administrativos pendentes, com pedidos de vantagens os mais diversos, feitos por milhares de servidores públicos. Tanto que o valor da causa era de mil reais apenas e a condenação em honorários de sucumbência seria de duzentos reais. Ninguém em sã consciência poderia imaginar que essa pouquidade, esse processo que de tão pequeno cabia na cova de um dente, transformar-se-ia em cinco dias em um acordo com honorários milionários. Sabemos que artigo 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil, considera título executivo judicial a sentença homologatória de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo. No entanto, não havia sequer ambiente processual para a realização de uma transação, pois nem havia lide em relação a esses valores, cujos pedidos o município não havia indeferido, porque não havia apreciado.
Considerando a imprevisibilidade do desfecho, os honorários deveriam ter sido ARBITRADOS POR EQUIDADE, judicialmente (artigo 22, §2º, da Lei nº 8.906/94), em remuneração compatível com o trabalho realizado pelo advogado, levando-se em conta o tempo exigido para o serviço, o valor econômico da questão e o fato de que os sindicatos atuaram como substituto processual dos servidores. Ao contrário, os servidores foram onerados em vinte por cento de seu crédito em um processo judicial cujo desfecho foi absolutamente imprevisível e atípico. Não houve nem digladio. O município sequer contestou a ação, foi logo transigindo. Se estava predisposto a pagar, deveria tê-lo feito administrativamente, poupando os servidores de uma despesa vultosa e desnecessária. Entre o singelo pedido de cinco laudas e o acordo, foram exatos seis dias, que resultaram em honorários que podem chegar a R$ 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil reais), se deferido o pedido de que incidam sobre o total das verbas.
O valor desses honorários é absolutamente questionável, por sinal. O escritório jurídico é patrono de seis sindicatos. Isso representa apenas uma parcela dos sindicatos existentes e uma fração dos servidores públicos. No acordo celebrado, ficou consignada na cláusula 4.3 que os advogados que firmaram a transação o fizeram apenas em nome dos demandantes substituídos processualmente pelos sindicatos que o escritório representa. Sendo assim, o Município de Maceió deveria abster-se de descontar os honorários de servidores desvinculados de quaisquer sindicatos ou ligados a outros sindicatos que o escritório jurídico não representou.
Não foi o que aconteceu. O Sindicato dos Trabalhadores da Educação atravessou uma petição às fls. 76 dos autos alegando que não celebrou nenhum contrato de honorários com cláusula de êxito e mesmo assim o Município de Maceió tem reiteradamente retido dos trabalhadores da educação, vinte por cento dos atrasados em nome de supostos honorários, debalde as reclamações do sindicato. Trata-se de um fato assaz alarmante a realização desses descontos em verbas alimentícias sem autorização do trabalhador.
O mais preocupante é que o escritório em questão atravessou uma petição às fls. 51 dos autos, em que pede que sejam retidos 20% (vinte por cento) dos atrasados de todos os servidores beneficiados, sindicalizados ou não, à exceção dos vinculados ao sindicato da educação, SINTEAL. Alega que se TODOS os servidores foram beneficiados, seria injusto e prejudicial se os honorários fossem pagos apenas pelos servidores sindicalizados. Com isso, abraçou a teoria da OBRIGAÇÃO FUNDAMENTADA NO BENEFÍCIO, sem necessidade de consentimento.
Obrigações de solidariedade independem de consentimento, como a dos pais em relação aos filhos e vice-versa. Obrigações voluntárias costumam surgir a partir do consentimento válido. O filósofo escocês David Hume rejeitava a ideia de que o consentimento fosse a base da obrigação. No entanto, quando o sublocatário de sua casa em Edimburgo decidiu reformá-la sem o seu consentimento e mandou-lhe a conta, ele se recusou a pagar, alegando que não contratou o empreiteiro, em que pese ter sido beneficiado pela reforma. Segundo Michael J. Sandel, em seu livro Justiça (p. 184-185), a ideia de que existe obrigação de pagar por um benefício sem o devido consentimento pode resvalar em abusos, como no caso dos “flanelinhas” que ficam nos semáforos munidos de um balde e um rodo, lavando o para-brisa dos carros sem o consentimento do motorista. Podem eles exigir que se lhes pague algum dinheiro invocando a teoria do benefício sem consentimento? Mal comparando, como pretender que o servidor que não é sindicalizado pague honorários advocatícios por uma ação que ele não pediu, não propôs e para um escritório que ele não contratou?
Contudo, será que o benefício que o escritório jurídico estadeia ter distribuído munificentemente entre todos os servidores públicos foi realmente um benefício? Vejamos. No item 4.5 do “termo de composição judicial” está dito que o processo judicial será extinto com base no artigo 269, III, do Código de Processo Civil, o qual prevê a extinção do processo com solução de mérito quando as partes TRANSIGIREM. Segundo o artigo 840 do Código Civil, a transação é negócio jurídico bilateral pelo qual os interessados extinguem um litígio mediante CONCESSÕES MÚTUAS. Significa que ambos cederam, evidentemente; caso contrário, se o município pagasse cem por cento do que fosse devido, não estaria transigindo, mas reconhecendo a procedência do pedido.
Em que consistiu a concessão feita pelos autores? Bem, a certidão de fl. 18 dos autos informa que o valor devido a todos os servidores públicos foi estimado em R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), supondo que todos os processos administrativos pendentes fossem deferidos. O acordo judicial prevê na cláusula 2.1 o pagamento de R$ 54.000.000,00 (cinquenta e quatro milhões de reais) em 36 (trinta e seis) prestações de hum milhão e meio. Assim, supõe-se que o escritório jurídico, representando os seis sindicatos, renunciou a seis milhões de reais devido a todos os servidores e dividiu o restante em trinta e seis parcelas, descontando seus vinte por certo. A questão é: nem o Município de Maceió, tampouco o escritório jurídico poderiam transigir sobre valores devidos a servidores que não eram parte na ação, nem representados pelos sindicatos.
Sem embargo da expertise do escritório jurídico, entendemos que ele não poderia sequer ter transigido sobre direitos dos servidores vinculados aos seis sindicatos que representava. A transação pressupõe concessões mútuas. Portanto, para transigir seriam necessários poderes especiais que uma procuração outorgada pelo presidente do sindicato não supre, porque o sindicato atuou como substituto processual. Esses poderes teriam que ser conferidos expressamente na assembleia geral dos servidores dos sindicatos. Afinal, ninguém pode fazer cortesia com o chapéu alheio. Ocorre que a Ata da Assembleia Geral Unificada dos Servidores Públicos Municipais de Maceió (fls. 15 a 17) aprovou a contratação do escritório jurídico Fernando Costa Advogados Associados apenas com poderes ordinários para ajuizar uma ação judicial cobrando do município “todas” as obrigações laborais que se encontram atrasadas.
Por último, mas não menos importante, os termos do acordo contém ingredientes teratológicos. Primeiramente, faltam-lhe elementos básicos, como sujeito e objeto. O acordo não contém a relação dos beneficiados, os processos administrativos a ele vinculados e as vantagens sobre as quais se transige. A petição inicial menciona a existência de cerca de 16.000 (dezesseis mil) processos administrativos com pedidos de vantagens salariais, paralisados pela atonia do município. Era de se esperar que o acordo prancheasse a relação dos interessados e o rol dos processos administrativos. Por outro lado, o Município de Maceió sequer cogitou a possibilidade de haver em meio a esses milhares de processos administrativos, casos em que o pedido deveria ser indeferido.
O acordo menciona que seu objeto são as “dívidas decorrentes de vantagens e outros consentâneos legais já implantados e por implantar em folha de pagamento”. O que isso significa é um mistério. Cinquenta e quatro milhões de reais para pagar vantagens que não foram relacionadas e “outros consentâneos legais”, expressão absolutamente desprovida de conteúdo.
A petição inicial menciona a existência de inúmeras verbas laborais aguardando deferimento em processos administrativos (fl. 03): anuênios, correção de padrão, mudança de nível, incorporações, abono família, abono de permanência, insalubridade, verbas rescisórias, restituição de contribuição previdenciária etc. Este é um dado assaz preocupante, porque revela casos muito distintos entre si, em que não é possível chegar a um acordo sobre o valor global e distribuí-lo igualmente, numa igualdade radical que dispensa uma análise das várias espécies e suas peculiaridades.
Em relação a essas omissões, o que há no acordo celebrado são afirmações à ourela de que haverá formação de lotes de pagamento, por agrupamento de processos, disciplinado em um acordo futuro (!) (cláusula 2.3); ou que a Administração Pública decidirá em 180 dias os processos administrativos pendentes, implantando as tais vantagens encafuadas (cláusulas 2.4 e 2.5), ocasião em que promete quitar os créditos retroativos. Ora, se o valor devido depende de liquidação, não restou esclarecido como se chegou com exatidão ao montante de cinquenta e quatro milhões de reais, em trinta e seis parcelas de um milhão e meio, o qual serviu de esteio para fixar os honorários contratuais de vinte por cento.
Ante todo o exposto, vem o Ministério Público, respeitosamente, dar plena ciência à V. Exa. de que opôs embargos declaratórios contra a sentença que homologou judicialmente o acordo celebrado nos autos do Processo Judicial nº 0732299-04.2013.8.02.0001, por ausência de intimação do Ministério Público, ao tempo em que RECOMENDA à V. Exa. que adote medidas pertinentes a fim de se acautelar contra eventuais danos decorrentes de descontos realizados indevidamente nos contracheques dos servidores públicos, a título de honorários advocatícios.
Atenciosamente,
Marcus Rômulo Maia de Mello
Promotor de Justiça