Proteína ligada ao funcionamento da visão na juventude é relacionada à doença na velhice.
Memória apagada: proteína funciona como um ‘freio’ nas conexões entre os nerônios
Uma proteína responsável por ativar as regiões do cérebro que irão processar as informações fornecidas pelos olhos durante a infãncia e a adolescência é o novo alvo dos cientistas na luta contra o mal de Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta milhões de pessoas no mundo. Em experimentos com camundongos e tecidos humanos, pesquisadores das universidades de Stanford e Harvard, nos EUA, relacionaram a ação da proteína ao aparecimento de placas de uma substância conhecida como beta-amiloide no cérebro, cujo acúmulo é característico da doença na velhice. A descoberta abre caminho para a criação de remédios ou tratamentos que inibam a atuação da proteína ou interrompam sua produção, desta forma atrasando ou mesmo impedindo o surgimento do Alzheimer e seus sintomas.
Segundo os cientistas, a proteína, chamada PirB nos animais e LilrB2 em seu equivalente humano, fica na superfície das células cerebrais mediando a competição entre os olhos para se conectarem com uma região limitada do órgão durante o crescimento. Esta disputa, chamada plasticidade da dominância ocular, ocorre apenas no início da vida e responde à experiência. Assim, se um dos olhos tem algum tipo de problema, como a catarata congênita, ele permanentemente perde terreno para o processamento de suas informações pelo cérebro para o outro olho.
Sem a proteína e sintomas da doença
Responsáveis por identificar a proteína e seu papel no cérebro, Carla Shatz, professora de neurobiologia da Universidade de Stanford, e sua equipe notaram que camundongos sem o gene para produção da PirB mantiveram a flexibilidade na designação das conexões oculares mesmo na idade adulta. Eles decidiram então investigar se a proteína também atuava como um “freio” na plasticidade de outras funções cerebrais, como a relacionada aos sintomas de Alzheimer, causados pelo progressivo enfraquecimento das conexões entre os neurônios, chamadas sinapses.
Para tanto, Shatz e seus colegas primeiro apagaram o gene que ordena a produção da PirB em camundongos geneticamente modificados para desenvolverem Alzheimer. Depois de nove meses de vida, estes animais normalmente apresentam os sintomas da doença, mas sem a proteína isso não aconteceu. Diante disso, eles resolveram investigar o motivo, especialmente se existia alguma relação entre a PirB e o acúmulo de placas de beta-amiloide no cérebro.
— Sempre achei estranho o fato destes camundongos, na verdade, de todos os modelos de Alzheimer em camundongos que nós e outros grupos estudamos, não terem problemas de memória antes de envelhecerem, apesar de seus cérebros apresentarem altos níveis de beta-amiloide desde a juventude — comentou Shatz, coautora de artigo sobre a pesquisa publicado na edição desta semana da revista “Science”. — Mas os camundongos sem a PirB ficaram protegidos das consequências de suas mutações que provocam a produção de beta-amiloide, restando-nos assim a pergunta do por que disso ter acontecido.
Uma união perigosa
E a explicação veio das mãos de Taeho Kim, pesquisador do laboratório de Shatz em Stanford e principal autor do artigo na “Science”. Ele imaginou que a PirB e a beta-amiloide estavam se unindo de alguma forma, fazendo com que a proteína pisasse tão fortemente no “freio” das sinapses que elas desapareciam completamente, levando consigo a memória. Experimentos com os camundongos acabaram por mostrar que de fato a proteína e a beta-amiloide criam uniões fortes, dando início a uma reação em cadeia que prejudica o funcionamento dos neurônios.
Além disso, as experiências revelaram que esta união tem início logo cedo na vida, quando a beta-amiloide ainda trafega livremente pelo cérebro e não se acumulou em placas. Por fim, Kim também demonstrou que esta união também acontece entre a a beta-amiloide e a LilrB2, a equivalente humana da proteína nos camundongos.
— Nossa descoberta sugere que o mal de Alzheimer começa a se manifestar muito antes da formação das placas ficar evidente — disse Shatz. — Estamos apenas começando a investigar o que todas essas proteínas fazem no cérebro e, embora sejam necessárias mais pesquisas, elas podem ser um novo alvo para remédios contra o Alzheimer. Espero que este achado seja animador o bastante para que alguém em empresas farmacêuticas ou de biotecnologia leve a ideia adiante.
Fonte: O Globo
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