segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Subfinanciamento da Saúde

Para presidente da Fiocruz aumento da verba é necessário. “É uma balela dizer que você resolve o problema da Saúde simplesmente com gestão”

O problema do subfinanciamento da Saúde remonta ao período de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, segundo apontou o sanitarista e presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Gadelha.
“Quando foi promulgada a Constituição de 1988, estava previsto que 30% do Orçamento da Seguridade Social [exceto o FAT] iria para a Saúde. Isso caiu em 1994. Também naquele ano foram subtraídos 20% dos recursos da seguridade por meio da Desvinculação das Receitas Orçamentárias [na época, Fundo Social de Emergência]. Se a participação da Saúde no Orçamento da Seguridade tivesse sido mantida em 30%, o Orçamento da Saúde teria passado de R$ 54 bilhões para R$ 110,10 bilhões em 2008”.
Desde então, médicos, profissionais, usuários, parlamentares, prefeitos e governadores lutam por uma fonte segura de recursos para a Saúde.
Na avaliação do sanitarista, uma das grandes vitórias da regulamentação da Emenda 29 (que determina que sejam assegurados recursos mínimos para o financiamento da saúde) é o reconhecimento de que o problema do sistema não é apenas de gestão, o subfinanciamento da área “virou consenso”. “Isso é uma grande vitória: tirando uma ou outra voz dissonante, todos, por razões diversas, instrumentais ou não, da oposição ou da situação, concordam que a Saúde está subfinanciada”, comemorou, em entrevista à Carta Maior.
“Há pouco tempo, o discurso quase predominante era o de que o problema não era só de recursos, mas de gestão: se os desperdícios fossem corrigidos, poderíamos criar um sistema universal do porte que propomos”, lembrou. Segundo Gadelha, “é uma balela dizer que você resolve o problema da Saúde simplesmente com gestão”.
Para o médico, “o fim da CPMF [em 2007] representou uma fenda num momento muito importante. Àquela época, nós tínhamos um projeto estruturado, o ‘Mais Saúde’, tradução do Programa de Aceleração do Desenvolvimento (PAC) na Saúde. O ministério contaria com os recursos ordinários e com dinheiro suplementar, da CPMF. Toda a programação foi implodida, com o fim da contribuição”.
Paulo Gadelha sustenta, na entrevista, que apesar do subfinanciamento a atenção pública à saúde no Brasil é referência mundial. “A população recebe muita coisa do SUS sem identificar de onde vem. O Programa Nacional de Imunização (PNI) é um dos mais bem-sucedidos do mundo; o programa de AIDS e de transplantes são referência mundial. Todos são do SUS. O SUS vai muito além da atenção básica”, argumenta. “Não é todo o país com mais de 100 milhões de habitantes que tem uma proposta tão generosa e ambiciosa de um serviço universal de saúde, com princípios de equidade e integralidade. Dessa magnitude, não existe outro país no mundo”.
E combate a ideia de que a carga tributária brasileira é grande. “Uma carga tributária na faixa dos 34,7% do PIB está abaixo da média dos países da OCDE, que está em 36%. Estou dando alguns dados que, do ponto da área que pensa a saúde, desconstroem fantasmas e falácias sobre o tema que se acumularam ao longo dos anos. Outra questão é o gasto per capita em Saúde: estamos abaixo de vários países, inclusive da América Latina”.
Outro ponto discutido por Gadelha na entrevista é o fato de que os custos da saúde pública podem aumentar com o amadurecimento e com o avanço da cobertura de saúde para população brasileira. “Um hipertenso há tempos atrás morria; um hipertenso hoje não morre, mas continua hipertenso e exige cuidados. Os próprios avanços na redução da mortalidade e promoção de saúde não implicam na redução de custo, além de obrigarem a reconfiguração de todo o sistema de saúde, porque passam a predominar as chamadas condições crônicas, que exigem uma forma de cuidado à pessoa mais integral. O que antes era considerado como uma separação – atenção primária, secundária, terciária – perde sentido. A forma do cuidado passa a ser muito mais complexa e integrada, e os custos mais elevados”. E “serão maiores ainda se não houver uma base tecnológica nacional para dar conta disso”.
O sanitarista defende que “é preciso também formar uma base de sustentabilidade produtiva nacional. Uma das questões que eu tenho colocado é que a Saúde tem que estar no cerne do diálogo com o modelo de desenvolvimento do país. Todas as áreas de ponta de desenvolvimento tecnológico estão associadas à Saúde, que é um ponto central do ponto de vista das fronteiras tecnológicas”.

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