Como o próprio nome sugere, o estado de Alagoas é reconhecido pela presença marcante dos rios e das lagoas na vida de seus habitantes. No território alagoano, as águas são fonte de lazer e de geração de renda. No entanto, também é em meio aquático que cresce o número de pessoas infectadas pelo parasito Schistosoma mansoni, que causa a doença Esquistossomose mansônica. Sob a coordenação da médica e professora Janira Lúcia Couto, uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBs) da Universidade Federal de Alagoas revela a existência de zonas hiperendêmicas na região. As áreas são assoladas pelo elevado índice de indivíduos com esquistossomose, doença conhecida popularmente como “barriga d’água”.
De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas, 69% dos municípios alagoanos representam áreas endêmicas de esquistossomose, com manifestações graves da doença e mortalidade atribuída à infecção. Em Alagoas, mais de 2,5 milhões de pessoas vivem sob o risco de contaminação. No Laboratório de Esquistossomose e Malacologia (LEM), setor de Parasitologia e Patologia da Ufal, os resultados da análise de exames realizados em crianças e jovens de 2 a 15 anos de idade preocupam pesquisadores da área da saúde.
Segundo Janira Couto, os índices verificados nos municípios alagoanos superam os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Em Santana do Mundaú, desenvolvemos pesquisas com cerca de 690 indivíduos. Durante dois anos de atividades, constatamos que a carga parasitária na região era muito alta, com uma média de 187,9 ovos de S. mansoni por grama de fezes. A OMS considera que a taxa de infecção de 5% já é elevada e no município ela chega a 27,72%”, revelou. Esses dados foram publicados na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, em 2010, e permanecem semelhantes em diferentes cidades de Alagoas.
Nos estudos mais recentes, as situações de Capela, Rio Largo, Marechal Deodoro e Maceió são consideradas preocupantes. De acordo com a pesquisadora, os riscos são ainda maiores com o acúmulo de água parada. “Na periferia da capital do Estado já encontramos muito caramujos transmissores da doença infectados pelo parasito Schistosoma mansoni. O caramujo transmissor do parasito vive nas águas paradas e poluídas de canais e de valas com esgotos. Esses caramujos são encontrados na zona da mata de Alagoas, mas agora também são observados no litoral. Ressaltamos que há prevalência desses transmissores em criadouros artificiais, criados pelo homem, como poços, valas de irrigação e açudes”, alertou.
Atualmente, a atenção dos pesquisadores está voltada para a cidade de Marechal Deodoro. O grupo desenvolve trabalhos educativos em Vila Altina e em Taperaguá – povoados com elevado número de infectados –, realiza exames em jovens e em crianças da região e, em parceria com a Secretaria Municipal de Endemias, disponibiliza medicação aos indivíduos com diagnósticos positivos para a presença de ovos do Schistosoma mansoni nas amostras de fezes.
“Nós utilizamos os métodos de Lutz, uma análise qualitativa e de rotina, e o Kato Katz, que é quantitativo, para a contabilização do número de ovos no indivíduo. Com esses métodos, sabemos a carga parasitária aproximada na população analisada no estudo. Na região de Vila Altina, nós realizamos exames em 300 pessoas, das quais 105 estão infectadas pelo S. mansoni. Esse resultado indica que 35% dos investigados possuem ovos do parasito distribuídos pelo organismo. Como médica, posso prescrever o receituário para as pessoas com os exames positivos”, explicou.
Durante a elaboração desta matéria, o grupo detectou a presença de 22 ovos do Schistosoma mansoni no exame de Lutz de um garoto de 12 anos. Em pesquisa anterior, realizada em 2011, os números foram ainda mais alarmantes. Na ocasião, 91% das 200 amostras de fezes coletadas em Vila Altina apresentaram infecção parasitária. Esses dados indicam que 182 pessoas avaliadas possuíam algum tipo de parasito intestinal. Além do responsável pela esquistossomose, outros vermes são detectados com frequência nos exames, como Ascaris lumbricoides, Enterobius vermicularis, Hymenolepis nana, Entamoeba histolytica e Ancilostomídeos.
Segundo a bolsista do projeto e aluna de Licenciatura em Biologia, Janaína Melo da Silva, as atividades vão além da intervenção nos municípios. A estudante revela que o trabalho de conscientização também é importante para a eficácia do projeto. “Além dos exames que realizamos, nós vamos às escolas uma vez por semana e disponibilizamos jogos educativos, desenvolvemos dinâmicas e apresentamos vídeos sobre o assunto”, reforçou.
Os males da esquistossomose
O parasito Schistosoma mansoni apresenta dois hospedeiros, o caramujo Biomphalaria glabrata – o intermediário – e o homem – o definitivo. O ciclo vital do verme consiste em duas etapas. Na primeira, larvas do parasito penetram nos caramujos que habitam águas doces, se desenvolvem neles e se transformam em outras larvas, as cercárias. No segundo momento, as cercárias abandonam o hospedeiro intermediário e penetram na pele do homem. A contaminação pode acontecer por meio do contato humano com rios, lagos e córregos.
Segundo a professora Janira Lúcia Couto, quando os ovos não são eliminados nas fezes, eles são distribuídos pelo organismo através do sangue. O parasito vive nos ramos da veia porta do fígado e nas veias mesentéricas do intestino. Nas áreas onde os ovos ficam instalados surgem inflamações que agravam o estado de saúde dos indivíduos. “Com o tempo, a inflamação se transforma em fibrose [tecido endurecido], considerado o grande problema da doença, pois é a principal lesão. O granuloma, que é o ovo mais a inflamação, atinge principalmente o fígado, os pulmões e o intestino. Há casos em que a medula espinhal também é atingida, o que provoca paralisias”, explicou.
No caso mais avançado da doença, há o surgimento de ascite – a famosa “barriga d’água” –, provocada pelo extravasamento de plasma no abdômen. Com a medicação adequada, o verme pode ser eliminado, mas as lesões não são reparadas.
Saneamento básico: questão de saúde coletiva
“A distribuição dos medicamentos para o tratamento da esquistossomose não é o problema”, é o que diz Janira Couto. Para a professora, as dificuldades estão na falta de práticas educativas e de saneamento básico. “No interior, a maior parte das casas já é construída com tijolos e alvenaria. Muitas casas têm água canalizada. O lixo sempre é coletado. Mas tudo isso é realizado precariamente. Em Santana do Mundaú, por exemplo, vimos que as águas e os dejetos dos banheiros de casas, bares e restaurantes desembocavam no rio Mundaú. Desse modo, as águas se contaminam e os caramujos se infectam facilmente com as larvas que saem dos ovos de fezes humanas”, destacou.
As deficiências em infraestrutura agravam os riscos de infecção humana. Em alguns municípios do interior alagoano, a falta de pontes e de passarelas que liguem uma região a outra da cidade ameaça a população. “Já visitamos cidades em que as crianças precisam andar mais de 3 km para chegar até a escola, só porque não foi construída uma pequena ponte. Para evitar o longo caminho, elas atravessam a pé os rios e ficam sujeitas à infecção”, ressaltou a pesquisadora.
Fonte: Alagoas 24 Horas
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