Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 24.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)
Santana do Ipanema – Todo novo, equipado e inaugurado, o Hospital Regional Clodolfo Rodrigues demorou mais de dez anos para funcionar. A expectativa da população de Santana do Ipanema era imensa, já que até o ano de 2010 tinha que viajar a Maceió ou Arapiraca para ter acesso a procedimentos médicos simples. O funcionamento do hospital, no entanto, se tornou um martírio para os moradores do bairro Santa Rita.
O esgoto dos banheiros, a água usada na cozinha, lavanderia e limpeza do hospital escorrem a céu aberto pelas ruas sem pavimentação do bairro. A contaminação provoca doenças e a sujeira está levando famílias a se mudar para longe. Moradores se queixam que são frequentes as ocorrências de diarreia em crianças da região e há também casos de verminoses contraídas pelo contato com os resíduos líquidos.
A desempregada Neuza Teodózio, 58, é uma das vizinhas que mais sofrem. O esgoto escorre em cheio para a residência onde ela mora, que fica em um nível mais baixo do hospital, tornando-se um ambiente insalubre. “Eu só moro aqui porque não tenho condições de ir para outro lugar. Sou uma pessoa sozinha e lutei muito para conquistar essa casa, não posso abandoná-la”, explica Neuza, que sobrevive com a renda do Bolsa Família.
A água servida sai dos fundos do hospital, percorre parte da rua, desce por terrenos baldios e se acumula no muro da casa de Neuza. As paredes ficam úmidas e, pelas infiltrações, o esgoto vai parar dentro da residência. A umidade e o contato diário com a água contaminada levaram a desempregada a desenvolver bronquite asmática, que provocou internação no próprio Clodolfo Rodrigues, em 2012.
“Os médicos disseram que fiquei doente por causa do esgoto e o único jeito de não adoecer mais é saindo dessa casa. É triste, mas ao mesmo tempo é engraçado, pois o hospital que deveria levar saúde, para mim é causa de doença”, pondera.
Neuza Teodózio passa o dia inteiro tentando manter a casa limpa para evitar uma nova crise de bronquite que, além da tosse com muita secreção, provoca também falta de ar. Para evitar a umidade, ela chegou a reforçar as paredes da residência, mas a água começa a minar assim que a cobertura de cimento acaba. A desempregada chegou até mesmo a cimentar uma fileira de tijolos na frente da porta do quarto porque, quando chove, a infiltração é tanta que a água invade até mesmo o aposento.
“O sofá que eu tinha já esculhambou porque a madeira apodreceu por ficar molhada direto. Já perdi também o armário da cozinha e o guarda-roupa por causa da umidade das paredes. Só tenho esses agora porque vizinhos me deram”, relatou, explicando que, agora, para evitar que os móveis se estraguem, passou a deixá-los longe das paredes e suspensos por tijolos.
Neuza reclama ainda que, por causa da infiltração, não consegue manter a casa limpa e sabe que corre o risco de adquirir outras doenças pelo contato com a água contaminada. “Quando o pessoal da Vigilância Sanitária esteve aqui, disse que eu não deveria pegar o pano de chão que uso para enxugar as poças com a mão ou com os pés descalços, mas não tem como limpar de outro jeito”, declarou a moradora, que recentemente pediu socorro à Defensoria Pública.
INSUPORTÁVEL
A vizinha de Neuza, Maria Hilda da Silva, 71, não tem a casa invadida pelo esgoto, mas se preocupa com a neta, que está fazendo tratamento contra uma bactéria contraída pelo contato com a água contaminada. “Quando a gente fez a consulta com ela no hospital, o médico falou que o germe entrou pelo pé. A gente não deixa que ela fique descalça de jeito nenhum, mas acho que ela pode ter pisado nessa água suja sem querer”, contou, dizendo que, antes, a menina já havia sofrido alguns episódios de diarreia.
“Além do risco de ficar doente, o que mais incomoda é o mau cheiro. Quando o sol esquenta é difícil ficar do lado de fora e tem que trancar porta e janelas para o cheiro não entrar dentro de casa”, reclamou.
O cheiro ruim, aliás, é a principal reclamação dos moradores do bairro Santa Rita. Eles se queixam que o fedor atrapalha as refeições e até mesmo o sono. “Mesmo com as portas fechadas, não tem como impedir o cheiro de entrar. Às vezes, a gente perde até o apetite porque, na hora em que vai colocar a comida na boca, o fedor entra pelo nariz”, afirma Gileuza Ramalho.
Em um terreno próximo, existe uma placa: “Vendo barato ou troco”. Mas nunca apareceu ninguém querendo comprar. Segundo Gileuza, explicações já foram solicitadas ao hospital, reportagens denunciando o problema já foram feitas, e nada mudou até agora. “O hospital diz que a Casal é que deve resolver o problema, mas ninguém faz nada. Tem horas que nem acredito que esse problema vai ser resolvido um dia”, lamentou.
VIA-CRÚCIS
Agências de notícias do Sertão trazem, principalmente nos fins de semana, informações sobre acidentes ocorridos na região em que as vítimas são encaminhadas para o Hospital Regional Clodolfo Rodrigues. Em vários casos, o relato complementa que a vítima foi posteriormente transferida para a Unidade de Emergência (UE) do Agreste, em Arapiraca.
Casos considerados simples também são transferidas para o hospital de Arapiraca. A dona de casa Maria José dos Santos, 52, que mora no bairro Santa Rita e fez reclamações em relação ao mau cheiro exalado do esgoto do hospital, relatou a via-crúcis percorrida quando teve uma crise de artrose, há cerca de um mês.
Com dores fortes e rigidez nas articulações dos joelhos, ela foi até o Clodolfo Rodrigues acompanhada da vizinha, Gileuza Ramalho. “Ela não conseguia andar direito e sentia muita dor, mas outras pessoas passaram na frente dela, na hora do atendimento”, relata Gileuza que, devido à preocupação, pediu a um médico que passava pela recepção da emergência do hospital – a mesma que traz a fachada de UPA 24 horas – que atendesse a sua vizinha.
“Falei para o médico que ela estava sentindo muita dor e sabe o que ele disse? Que ninguém morre de dor, porque se dor matasse não sobrava nenhuma mulher que tivesse filho, pois morreriam tudo no parto. Isso não é postura de médico. A gente é pobre, mas não merece ser tratado desse jeito”, reclamou.
Maria José conta que chegou ao hospital por volta das 18 horas e só tomou a medicação para a crise de artrose às 12 horas do dia seguinte. “Só fui atendida no hospital perto das 10 horas da noite e aí me disseram que eles não tinham o remédio que eu precisava. Era quase meia-noite quando me colocaram em uma ambulância para Arapiraca e me levaram para a Unidade de Emergência, mas não me atenderam porque lá só cuidam de caso de trauma e não de doença, como era o meu caso”, relatou.
Depois de passar mais algumas horas de espera e sentindo dor, Maria José foi finalmente transferida para o Hospital Chama, onde tomou a medicação. “Fui liberada para voltar para casa meio-dia. Se tivesse o remédio no hospital de Santana (onde havia chegado 18 horas antes) e se eles tivessem me atendido rápido, na noite anterior estava em casa”, declarou.
O OUTRO LADO
O diretor do Instituto Pernambucano de Assistência à Saúde (Ipas), Marco Calderon, que administra o Hospital Clodolfo Rodrigues, explica que a quantidade de transferências de pacientes para outras unidades hospitalares é pequena em relação aos atendimentos realizados. Segundo ele, o hospital atende cerca de dez mil pessoas por mês, metade em casos de emergência e o restante no atendimento ambulatorial. Já a quantidade de transferências, para a Unidade de Emergência do Agreste e para o Hospital Geral do Estado (HGE), é menor que duzentas.
“Todos os meses, a quantidade de transferências fica em torno de 180 e eu tenho, no meu gabinete, relatórios com a justificativa para cada um desses casos. Não existe recusa de atendimento ou preguiça, até porque atendemos uma região com cerca de 520 mil habitantes de quase 30 municípios do Sertão, e ainda pacientes que vêm de cidades de Pernambuco e de Sergipe, que fazem divisa com Alagoas. Temos UTI, atendimento ginecológico e obstétrico, e somos referência em cirurgia buco-maxilo facial”, afirmou.
Calderon justifica que as transferências acontecem porque o Clodolfo Rodrigues não dispõe de médicos com especialidade em cardiologia e neurologia no quadro de profissionais. “Mas fazemos muito com os recursos que recebemos. Enquanto a Unidade de Emergência chega a receber R$ 8 milhões por mês, o repasse do Clodolfo Rodrigues é pouco mais que um terço desse valor. Nosso contrato não sofre reajuste desde 2010, quando o hospital abriu as portas, e nós temos uma UCI (Unidade de Cuidados Intensivos) funcionando desde março, mas não recebemos recurso nenhum para ela”, declarou.
Os repasses do Clodolfo Rodrigues são de R$ 517 mil da União, R$ 220 mil da prefeitura e ainda pouco mais de R$ 1,4 milhão provenientes do governo estadual. O total de R$ 3,1 milhões mantém uma estrutura com 600 funcionários, entre eles 80 médicos, 166 leitos, UTI adulto, UCI, consultas ambulatoriais e exames de média e alta complexidades.
Em relação ao esgoto do hospital que corre pelas ruas do bairro Santa Rita, Marco Calderon afirma que denúncias já foram levadas às esferas da Vigilância Sanitária municipal e estadual, e que o Hospital Clodolfo Rodrigues não pode fazer mais do que já faz atualmente.
“Por mais que isso possa soar estranho, o esgoto não é um problema nosso. A Casal firmou um convênio com a prefeitura se comprometendo em ligar o hospital à rede de esgoto, mas essa obra sequer foi iniciada. Da nossa parte, caminhões fazem o desgotamento da fossa, diariamente, mas, como se pode ver, isso ainda é insuficiente. Gastamos R$ 11 mil por mês com um serviço que a Casal deveria fazer”, argumentou.