Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)
O financiamento inadequado e a má gestão dos recursos públicos estão por trás da situação degradante da saúde pública em Alagoas, que leva à população a se deparar, no dia a dia, com a dificuldade de acesso aos serviços, o mau atendimento, as filas e os sofrimentos em hospitais e unidades de saúde, na avaliação do médico Humberto Gomes de Melo. Presidente da entidade nacional e estadual que representa os hospitais da rede privada no país, ele afirma que esses dois fatores são os impeditivos para que o Sistema Único de Saúde (SUS) – que define como um grande avanço na política nacional – cumpra sua missão constitucional.
As verbas que sustentam o setor (hoje o orçamento da saúde é de R$ 106 bilhões) não são suficientes para o país que se propõe a garantir tratamento adequado e de qualidade a todos os cidadãos (princípios da universalidade e integralidade). Para esse quadro mudar, na avaliação do médico alagoano – assim como de outros especialistas na questão –, é preciso alocar mais recursos para o setor. O governo federal não tem percentual fixo para investir na saúde e ao longo dos anos faz desembolsos cada vez menores para o segmento. Em entrevista à Gazeta, Humberto Gomes utiliza os números para mostrar uma realidade inconteste.
Gazeta. Qual avaliação o senhor faz do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Humberto Gomes de Mello. Nos primórdios, antes de 1988, a saúde era prestada de forma dicotomizada: de um lado, os trabalhadores com carteira assinada, que tinham direito à assistência dentro do que determinava a Previdência Social [institutos como Inamps]; do outro, o restante da população, considerada indigente e que era assistida pelos governos dentro das suas condições. Com a Constituição, foi definido o SUS, que eu considero um avanço porque, a partir de então, a saúde passou a ser universalizada, hierarquizada e descentralizada. Saúde, por lei, se transformou em um direito de todos e dever do Estado, dos três níveis de governo.
Qual o maior problema da saúde na atualidade?
Financiamento e má gestão dos recursos [financeiros e físicos] são o maior problema da saúde. Eu entendo que os constituintes foram sábios quando definiram nas disposições transitórias que 30% da seguridade social deveria ser destinada à saúde. Na época do governo Itamar Franco [1992/1995], no entanto, o ministro Antônio Britto [Previdência Social] afirmou que este repasse comprometia o pagamento da Previdência e essa fórmula foi mudada. Sempre que a saúde precisava de recursos, tinha de recorrer à lei de Diretrizes Orçamentárias para definir um percentual do orçamento para o setor. Desde então, os recursos começaram a escassear. Se hoje a saúde recebesse os 30% da seguridade social, o país teria um valor bem maior que o destinado, por exemplo, no ano passado, que foi em torno de R$ 77 bilhões para a assistência hospitalar e R$ 40 bilhões para a assistência ambulatorial.
Em 2012, o governo federal, os Estados e as prefeituras destinaram à saúde R$ 73 bilhões. Em 2013, o montante passou a R$ 77 bilhões. São números fabulosos que, segundo o Senado, dariam para construir 3.500 hospitais de médio porte num ano. Ainda assim, este financiamento é insuficiente ou a gestão deles é o problema?
O financiamento é o ponto crítico e não pode ser desprezado, pois sem recursos não se pode prestar a assistência que é definida na Constituição. É por esta razão que existem as demandas judiciais em um quantitativo enorme. Vamos fazer uma comparação: a população brasileira é de 200 milhões de pessoas e hoje ¼ dessa população, ou 50 milhões, possui planos de saúde, que dão apenas assistência ambulatorial e hospitalar. No ano passado, as operadoras de planos de saúde gastaram R$ 91 bilhões para atender os seus 50 milhões de usuários. Já o governo federal gastou, no mesmo período, R$ 40 bilhões para atender 2/4 da população que depende do SUS. Isso significa que, para dar a mesma assistência que os planos de saúde dão aos seus usuários, o governo deveria ter investido R$ 273 bilhões na saúde. Se formos fazer as contas, faltaram R$ 230 bilhões para investimentos na rede pública. É dinheiro demais? É. Mas está na Constituição que é dever do Estado. Outra comparação: as operadoras internam, em média, 15% a 16% dos seus usuários. O Ministério da Saúde define que as secretarias estaduais façam sua programação para internamento levando em conta apenas 8% da sua população atendida, ou seja, metade daquilo que as operadoras estão ofertando. E a saúde de quem tem plano de saúde é pior que a dos usuários do SUS? Sabemos que não.
Em relação a Alagoas, o que revelam as estatísticas?
Em relação a internamentos, se a gente levar em consideração a população de Alagoas, de 3 milhões de habitantes, e aplicar o percentual de 8% determinado pelo governo federal, deveríamos ter 240 mil internações. Entretanto, em 2013, o Estado, por meio do SUS, realizou menos de 160 mil internações. Foram mais de 50 mil pessoas que deixaram de ser internadas, dentro daquele parâmetro do Ministério da Saúde (e incluindo 30 mil da saúde privada). São 4 mil usuários do SUS por mês que, por falta de recursos, deixam de ser internados. É aí que os municípios recorrem à ‘ambulancioterapia’. Eles transportam o paciente para Maceió e agravam o quadro do já superlotado Hospital Geral do Estado. Não existem recursos suficientes para garantir a assistência. Em todo o país, apenas ¼ da população possui plano de saúde e, em Alagoas, essa parcela é de 11,15%. Isso significa que 89% da população depende do SUS para ter acesso à saúde. Nós estamos em 17º lugar na lista dos Estados com maior dependência do SUS, sendo São Paulo com a menor dependência.
O que o senhor, como gestor, apontaria como solução viável pra resolver a questão de financiamento da Saúde?
Na minha visão, os recursos deveriam ser distribuídos proporcionalmente à dependência da população ao SUS. Em 1990, quando foi publicada a Lei Orgânica da Saúde (Lei no 8.080, de 1990), sancionada pelo então presidente Fernando Collor, foi definido que os recursos da saúde deveriam ser distribuídos da seguinte forma: metade proporcionalmente a esta dependência e metade observando as condições sanitárias. Há anos isso foi modificado e, desde então, essa distribuição fica à mercê da aprovação do Congresso. Na gestão dos recursos, os problemas são decorrentes da falta de continuidade. Cada vez que muda ministro, governador e secretário de Saúde muda tudo o que vem sendo desenvolvido e, dessa forma, o tempo fica escasso para que se faça planejamento e realizações para a saúde, sem falar nos desvios e nos desperdícios.
As verbas que sustentam o setor (hoje o orçamento da saúde é de R$ 106 bilhões) não são suficientes para o país que se propõe a garantir tratamento adequado e de qualidade a todos os cidadãos (princípios da universalidade e integralidade). Para esse quadro mudar, na avaliação do médico alagoano – assim como de outros especialistas na questão –, é preciso alocar mais recursos para o setor. O governo federal não tem percentual fixo para investir na saúde e ao longo dos anos faz desembolsos cada vez menores para o segmento. Em entrevista à Gazeta, Humberto Gomes utiliza os números para mostrar uma realidade inconteste.
Gazeta. Qual avaliação o senhor faz do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Humberto Gomes de Mello. Nos primórdios, antes de 1988, a saúde era prestada de forma dicotomizada: de um lado, os trabalhadores com carteira assinada, que tinham direito à assistência dentro do que determinava a Previdência Social [institutos como Inamps]; do outro, o restante da população, considerada indigente e que era assistida pelos governos dentro das suas condições. Com a Constituição, foi definido o SUS, que eu considero um avanço porque, a partir de então, a saúde passou a ser universalizada, hierarquizada e descentralizada. Saúde, por lei, se transformou em um direito de todos e dever do Estado, dos três níveis de governo.
Qual o maior problema da saúde na atualidade?
Financiamento e má gestão dos recursos [financeiros e físicos] são o maior problema da saúde. Eu entendo que os constituintes foram sábios quando definiram nas disposições transitórias que 30% da seguridade social deveria ser destinada à saúde. Na época do governo Itamar Franco [1992/1995], no entanto, o ministro Antônio Britto [Previdência Social] afirmou que este repasse comprometia o pagamento da Previdência e essa fórmula foi mudada. Sempre que a saúde precisava de recursos, tinha de recorrer à lei de Diretrizes Orçamentárias para definir um percentual do orçamento para o setor. Desde então, os recursos começaram a escassear. Se hoje a saúde recebesse os 30% da seguridade social, o país teria um valor bem maior que o destinado, por exemplo, no ano passado, que foi em torno de R$ 77 bilhões para a assistência hospitalar e R$ 40 bilhões para a assistência ambulatorial.
Em 2012, o governo federal, os Estados e as prefeituras destinaram à saúde R$ 73 bilhões. Em 2013, o montante passou a R$ 77 bilhões. São números fabulosos que, segundo o Senado, dariam para construir 3.500 hospitais de médio porte num ano. Ainda assim, este financiamento é insuficiente ou a gestão deles é o problema?
O financiamento é o ponto crítico e não pode ser desprezado, pois sem recursos não se pode prestar a assistência que é definida na Constituição. É por esta razão que existem as demandas judiciais em um quantitativo enorme. Vamos fazer uma comparação: a população brasileira é de 200 milhões de pessoas e hoje ¼ dessa população, ou 50 milhões, possui planos de saúde, que dão apenas assistência ambulatorial e hospitalar. No ano passado, as operadoras de planos de saúde gastaram R$ 91 bilhões para atender os seus 50 milhões de usuários. Já o governo federal gastou, no mesmo período, R$ 40 bilhões para atender 2/4 da população que depende do SUS. Isso significa que, para dar a mesma assistência que os planos de saúde dão aos seus usuários, o governo deveria ter investido R$ 273 bilhões na saúde. Se formos fazer as contas, faltaram R$ 230 bilhões para investimentos na rede pública. É dinheiro demais? É. Mas está na Constituição que é dever do Estado. Outra comparação: as operadoras internam, em média, 15% a 16% dos seus usuários. O Ministério da Saúde define que as secretarias estaduais façam sua programação para internamento levando em conta apenas 8% da sua população atendida, ou seja, metade daquilo que as operadoras estão ofertando. E a saúde de quem tem plano de saúde é pior que a dos usuários do SUS? Sabemos que não.
Em relação a Alagoas, o que revelam as estatísticas?
Em relação a internamentos, se a gente levar em consideração a população de Alagoas, de 3 milhões de habitantes, e aplicar o percentual de 8% determinado pelo governo federal, deveríamos ter 240 mil internações. Entretanto, em 2013, o Estado, por meio do SUS, realizou menos de 160 mil internações. Foram mais de 50 mil pessoas que deixaram de ser internadas, dentro daquele parâmetro do Ministério da Saúde (e incluindo 30 mil da saúde privada). São 4 mil usuários do SUS por mês que, por falta de recursos, deixam de ser internados. É aí que os municípios recorrem à ‘ambulancioterapia’. Eles transportam o paciente para Maceió e agravam o quadro do já superlotado Hospital Geral do Estado. Não existem recursos suficientes para garantir a assistência. Em todo o país, apenas ¼ da população possui plano de saúde e, em Alagoas, essa parcela é de 11,15%. Isso significa que 89% da população depende do SUS para ter acesso à saúde. Nós estamos em 17º lugar na lista dos Estados com maior dependência do SUS, sendo São Paulo com a menor dependência.
O que o senhor, como gestor, apontaria como solução viável pra resolver a questão de financiamento da Saúde?
Na minha visão, os recursos deveriam ser distribuídos proporcionalmente à dependência da população ao SUS. Em 1990, quando foi publicada a Lei Orgânica da Saúde (Lei no 8.080, de 1990), sancionada pelo então presidente Fernando Collor, foi definido que os recursos da saúde deveriam ser distribuídos da seguinte forma: metade proporcionalmente a esta dependência e metade observando as condições sanitárias. Há anos isso foi modificado e, desde então, essa distribuição fica à mercê da aprovação do Congresso. Na gestão dos recursos, os problemas são decorrentes da falta de continuidade. Cada vez que muda ministro, governador e secretário de Saúde muda tudo o que vem sendo desenvolvido e, dessa forma, o tempo fica escasso para que se faça planejamento e realizações para a saúde, sem falar nos desvios e nos desperdícios.
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