terça-feira, 26 de agosto de 2014

Sem tratamento, aposentado fica cego e amputa os dedos

Petrúcio Cerqueira, de 72 anos, madruga na fila do Posto João Paulo II, no Jacintinho, e reclama que é jogado de um lado a outro para agendar consultas
 
Por Erick Balbino, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)
 
 
(Foto: Marcelo Albuquerque/Gazeta de Alagoas)
 
 
Maceió – A noite foi cansativa para o cidadão José Luiz dos Santos, de 56 anos. Na primeira hora do dia, ele já encabeçava a fila para se consultar no Posto de Atendimento Médico do Salgadinho (PAM Salgadinho), no bairro do Poço.
O sofrimento de José Luiz é rotina nos postos de saúde. Madrugar para conseguir uma vaga faz parte da vida dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), na capital e no interior de Alagoas. Os enfermos sofrem com doenças e humilhações.
“Uma hora da manhã eu já estava na porta do PAM para poder me consultar. Faço tratamento de glaucoma há mais de cinco anos. Desta vez, estou enfrentando a fila só para carimbar a minha receita e conseguir os colírios necessários para dar continuidade ao meu tratamento”, disse José Luiz.
No Posto João Paulo II, no Jacintinho, a situação é pior. O número de pacientes na porta da unidade quando o sol ainda está nascendo assusta: são dezenas de pessoas de todos os lugares de Maceió, que enfrentam frio, chuva e todos os perigos noturnos inerentes à cidade com a maior taxa de homicídios do Brasil.
A dona de casa Liliane Thamires, de 24 anos, saiu de casa na noite anterior para poder garantir um bom lugar na fila. “Não é a primeira vez que preciso dormir na rua para conseguir ser atendida. Saí às 23h. O que mais me deixa triste é saber que a entrega das fichas só começa às 13h. A espera será longa”.
O aposentado Petrúcio Cerqueira, de 72 anos, chegou ao posto de saúde às 5h30, com a esposa, Francisca Maria Cerqueira, de 64 anos. Vários problemas de saúde, inclusive diabetes e pressão alta, não foram bem tratados, ao ponto de forçar a amputação de alguns dedos do pé. Petrúcio também perdeu a visão do olho direito.
“Estou vivo e acho que devo agradecer todos os dias por isso, mas a luta é diária e muito sofrida. Confesso que já estou cansado de ser jogado de posto em posto para agendar consultas e pegar remédios. Não estou pedindo nenhum favor, só quero ter meus direitos garantidos e minhas consultas agendadas”. Petrúcio tentava uma vaga para o cardiologista, mas teve uma surpresa: o Complexo Regulador de Assistência (Cora), sistema responsável pelo agendamento de consultas médicas em todo o Estado, não estava funcionando há dias.
Francisca reclama da falta de comprometimento dos gestores da saúde. “Prometi diante do padre que estaria ao lado do meu marido na saúde e na doença, e estou tendo minhas palavras provadas agora. Infelizmente, ele não pode andar mais sozinho e eu tenho que acompanhá-lo. Quando tudo começou, há aproximadamente cinco anos, eu pesava 70kg. Hoje não passo dos 50”, disse dona Francisca.
A diretora administrativa do Posto João Paulo II, Maria das Dores, afirma que administrar uma unidade de saúde em Maceió é um verdadeiro desafio. Precisa enfrentar, diariamente, a falta de funcionários e equipamentos básicos. “Atualmente, trabalhamos com dois funcionários na recepção. Para atender à quantidade de gente que procura o posto todos os dias seria necessário, no mínimo, quatro”, desabafou.
Ao ser indagada sobre o porquê de as fichas serem entregues unicamente no período da tarde, ela disse que se tratava de uma estratégia para que as pessoas parassem de chegar na madrugada, à espera de um agendamento.
“Mesmo depois de transferir a distribuição de fichas para o período vespertino, as pessoas continuam dormindo na porta do posto. Parece que virou tradição esse tipo de comportamento”, informou Maria das Dores.

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