terça-feira, 26 de agosto de 2014

PERSONAGENS

Por Maurício Gonçalves, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

A frieza dos números congela a alma do SUS. Cifras, cifrões, estatísticas e os minutos do relógio vêm à tona com a ponta do iceberg que destrói a essência do sistema único: as pessoas.
 
A rede de atenção à saúde básica é um monstrengo gigante que arremeda o Titanic. No choque entre a álgebra e a ética, os pacientes viram náufragos, agarrando-se a fichas de postos de saúde e formulários de hospitais para não se afogar no oceano do atendimento com temperatura abaixo de zero.
 
Os cidadãos do SUS sobrevivem por insistência, como as vítimas da cheia de 2010 que foram levadas para lugares sem saneamento, coleta de lixo, agentes de saúde, nem higiene.
 
É impossível ter saúde no conjunto Bosque dos Palmares, em Rio Largo, entregue pelo Programa da Reconstrução do governo do Estado. Esgoto a céu aberto, alagamentos, buracos, lixo, insetos, dengue e leptospirose fazem crer que o dinheiro federal foi jogado na lama. Há inundações frequentes nas casas.
 
Numa delas, Ana Maria da Silva, 61 anos, foi atacada por tosse, cansaço e pressão alta. Sem posto de saúde, resolveu gastar o pouco que tinha e recorreu a uma farmácia, mas o motoqueiro não conseguiu entrar para fazer a entrega. Ficou ilhada e doente.
 
Em Traipu, quatro irmãos foram ficando paralíticos e até hoje não receberam o tratamento adequado. Há doze anos, o problema segue sem diagnóstico, enquanto os meninos perdem os prazeres da infância, como jogar bola e subir em árvores. Doenças que podem se evitar deixam de ser tratadas.
 
O vaqueiro Josival contraiu esquistossomose há 6 anos, no povoado Gado Bravo, em São Sebastião, mudou-se para a fazenda Gruta Funda, em Viçosa, e nunca tratou a endemia que deveria ter acompanhamento constante nas cidades ribeirinhas.
 
Com 40 anos de exercício da medicina, o infectologista Marcelo Constant frisa que saúde pública não é doença, “é saneamento, moradia digna, água tratada e alimento no prato”. E sem o básico, o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremal), Fernando Pedrosa, alerta que o fechamento de hospitais no interior de Alagoas é um “massacre à população”.

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