terça-feira, 26 de agosto de 2014

Marcelo Constant: o desafio do médico no setor público

Sem dinheiro para pagar um plano de saúde, usuários do SUS precisam ter paciência e contar com a sorte para conseguir atendimento


Por Tâmara Albuquerque, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)


Maceió – O médico infectologista Marcelo Cavalcante Constant fez a opção pelo exercício da profissão no setor público, desde o início da carreira, ainda quando tinha aulas práticas no antigo Hospital de Doenças Tropicais (nomeado Hospital Escola Dr. Hélvio Auto, em 1998), e onde passou 40 anos socorrendo pessoas acometidas por doenças, muitas vezes, sem esperança de cura.

Naquela unidade – que atualmente não consegue garantir resolutividade aos usuários por problemas na estrutura física, escassez de financiamento e, especialmente, falta de profissionais – chegou ao posto de gestor, vivenciando de perto as diversas crises que acometeram a rede pública, reflexo de políticas equivocadas e, em sua avaliação, descomprometidas com a efetivação da saúde como um direito.

Defensor do Sistema Único de Saúde, o médico admite que o SUS, hoje, não consegue cumprir os preceitos básicos, previstos na Constituição, e sentencia que a área da saúde, em Alagoas, carece de soluções urgentes e efetivas para promover a inclusão, atender à demanda dos usuários e melhorar a qualidade de vida do cidadão.

Em entrevista à Gazeta, Marcelo Constant, que hoje atua como docente na Uncisal, confessa que ser profissional da saúde no setor público em Alagoas é um desafio estressante por inúmeros fatores, mas principalmente pela “pobreza franciscana” que impede a prática de uma medicina de boa qualidade. “O profissional tem ideais, sabe que tem potencial para fazer uma medicina bem feita, mas não tem condições de fazer. Faltam medicamentos, equipamentos, insumos, infraestrutura. Falta tudo. O que a gente vê é o sucateamento e a falta de profissionais”, enfatiza.
 
Quando questionado sobre como os profissionais da saúde lidam com esse quadro caótico na área, Marcelo Constant lembra que ninguém dedica sua vida a uma profissão por idealismo. “Medicina não é sacerdócio. É uma profissão e você precisa sobreviver dela. E se exige demais desse profissional. Tem um momento em que ele questiona se vale a pena [ficar no serviço público], se vale fazer medicina preventiva ou mesmo investir na carreira generalista, porque muitas vezes o profissional fica impotente para dar respostas aos pacientes por motivos que fogem à sua alçada”, diz.

O médico considera incoerente o fato de os gestores da saúde, em todas as instâncias do governo, privilegiarem ações curativas e hospitalização, e não investirem em atenção básica. Segundo ele, fazer investimentos na prevenção e no cuidado primário evitaria o adoecimento da população e a superlotação dos postos de saúde, que leva o sistema ao caos. Constant lembra que saúde tem como fatores determinantes “o meio ambiente, o meio socioeconômico, além dos fatores biológicos e da oportunidade de acesso aos serviços que fazem a promoção, a proteção e a recuperação da saúde”.

“Eu gostaria que os gestores visassem à saúde não pelo aspecto apenas da doença, porque saúde é saneamento básico, é moradia digna, é água tratada, é alimento no prato. É muito mais bem-estar físico e mental. Um trabalho eficiente na atenção básica acabaria com o caos que está instalado aqui”, comenta.

Para melhoria da saúde pública em Alagoas, Constant pontua a necessidade urgente de investimentos na estratégia Programa Saúde da Família e reclama dos recursos irrisórios que são destinados ao trabalho dos agentes comunitários. “Esses profissionais não dispõem de Equipamento de Proteção Individual (EPI) ou de um lugar para guardar seu material de trabalho. De tudo eles são carentes, inclusive de um salário digno, porque o gestor não valoriza a iniciativa como deveria e como está previsto na legislação.

Na opinião do médico, o poder público não direciona recursos suficientes para garantir uma cobertura adequada dos serviços aos usuários. “Medicina é cara em qualquer país e em qualquer nível de assistência, mas é incoerente investir em procedimentos de alto custo sem garantir, antes, o abastecimento de medicamentos básicos no posto de saúde. Penso que isso é o gerenciamento inadequado da área, reflexo da velha prática de colocar em cargos exponenciais pessoas indicadas politicamente, e não por méritos”, critica.

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